segunda-feira, 21 de junho de 2010

José Saramago

por Wagner Hilário

Há algum tempo penso em postar neste espaço minibiografias de grandes literatos. Cedo ou tarde, eu ia fazer isso, mas, como diz um velho ditado, “a oportunidade faz o ladrão”. Faz também o desonesto, o infiel, o vingador, o vilão, o artilheiro, o enlace entre dois que serão um, o herói, o gênio, o ídolo... Não sou ladrão nem herói, tampouco artilheiro, mas acho que tenho a oportunidade de inaugurar essa categoria de postagens neste blog falando de José Saramago, falecido há poucos dias, três para ser exato. Falar um pouco da vida de um dos maiores escritores de nossa língua é uma honra e, nesse caso específico, uma tristeza. Desejava ver Saramago “na ativa” por muito mais tempo e ler mais textos inéditos de sua autoria, mas o tempo não poupa ninguém. Ainda bem que existem homens como Saramago que, por meio de sua genialidade, encontram maneira de tornarem-se imortais.

José de Souza Saramago nasceu em 16 de novembro de 1922, em Azinhaga, povoado da província do Ribantejo, a nordeste de Lisboa, capital portuguesa. Segundo ele mesmo diz, era para se chamar apenas José de Sousa, mas o funcionário do registro civil tomou a liberdade de acrescentar ao seu nome a alcunha pela qual a família de seu pai era conhecida, Saramago, nome de uma planta herbácea cujas folhas faziam parte da dieta dos pobres em períodos de carência no povoado.

A marca registrada da literatura de Saramago é a reflexão, a reflexão profunda sobre a condição humana e os valores que precisamos cultivar se quisermos construir uma sociedade melhor; se não quisermos nos autodestruir. Saramago cultivou a reflexão e nos entregou suas nutritivas folhas num momento em que o mundo se encontra inteiramente carente delas.

“Acho que na sociedade actual nos falta filosofia. Filosofia como espaço, lugar, método de reflexão, que pode não ter um objectivo determinado, como a ciência, que avança para satisfazer objectivos. Falta-nos reflexão, pensar, precisamos do trabalho de pensar, e parece-me que, sem ideias, não vamos a parte nenhuma.” Esta foi a última postagem de Saramago em seu blog, reproduzindo trecho extraído de uma entrevista concedida por ele mesmo à revista portuguesa Expresso.

Seu depoimento sobre a importância da reflexão é apenas uma gota no oceano de sua produção literária. São 20 obras, entre peças teatrais, livros de crônicas, de relatos de viagens, de poesia, de contos e de caráter infantil. Isso, obviamente, exclui seus dezesseis romances, entre os quais se destacam O Evangelho Segundo Jesus Cristo, que lhe valeu o Nobel de Literatura em 1998, o primeiro para um escritor de língua portuguesa, e Ensaio Sobre a Cegueira, que virou filme em 2008 e ganhou as telas de boa parte dos cinemas do mundo. Antes de se dedicar exclusivamente à literatura, Saramago trabalhou como serralheiro, desenhista, funcionário público e jornalista.

Embora tenha nascido no campo e no seio de uma família de camponeses, mudou-se com os pais para Lisboa, quando tinha apenas dois anos de idade, em 1924. Teve seu primeiro emprego aos 18 anos... Depois de concluir os estudos de serralheria mecânica na Escola Industrial de Afonso Domingues, começou a trabalhar nas oficinas dos Hospitais Civis de Lisboa. À noite, frequentava a biblioteca municipal do Palácio de Galveias. Lia sem nenhuma orientação, “com o mesmo assombro criador do navegante, que vai inventando cada lugar que descobre”.

Em 1944, com 22 anos, Saramago se casou com a pintora Ilda Reis, com a qual teria uma filha, Violante, três anos depois. Foi também em 1947 que ele publicou seu primeiro romance, Terra do Pecado. A essa altura, Saramago era apenas um embrião no universo literário e cultural português. Ele só começaria a adquirir notoriedade em 1955, quando passa a trabalhar para editoras, fazendo traduções de autores como Tolstoi.

Conciliando inúmeras atividades, não mais apenas só no campo editorial, mas também no jornalístico, Saramago segue publicando obras de diversas naturezas, escrevendo peças e conquistando paulatinamente seus conterrâneos. Em 1980, ele publica Levantado do Chão, ganha o Prêmio Cidade de Lisboa e inaugura estilo que passaria a ser chamado de saramaguiano — entre outras coisas, um conteúdo recheado de viés político e ideológico (comunista convicto e crítico contumaz da Igreja Católica), uma forma incomum, até mesmo subversiva à gramática em alguns momentos, presença de elementos da oralidade, longos parágrafos e uma impressionante fluidez.

Saramago ganha notoriedade internacional em 1983 com o romance Memorial do Convento. Consolida seu nome na literatura mundial contemporânea já no ano seguinte, com o romance O Ano da Morte de Ricardo Reis, que receberia inúmeras premiações em outros países. Em 1988, casa-se com a jornalista Pilar del Río — havia divorciado-se de Ilda Reis em 1970 e mantido um relacionamento com a escritora Isabel de Nóbrega por dezesseis anos. Em 1991, crava seu nome, definitivamente, na seleta lista dos escritores que conseguiram ir muito além de seu tempo com a obra, O Evangelho Segundo Jesus Cristo.

Saramago seguiu produzindo em alta rotatividade, mesmo depois da consagração, cujo símbolo maior foi a conquista do Nobel, em 1998. Pouco antes de sua morte, encontrou força e inspiração para publicar dois elogiadíssimos trabalhos: o conto A Viagem do Elefante, obra recheada de críticas, mas também de um bom-humor contagiante; e Caim, romance igualmente ácido e divertido, publicado no segundo semestre de 2009.

No ritmo que vinha, seus admiradores esperavam mais uma obra para 2010. No dia 18 de junho ele a terminou, depois de mais de 87 anos dedicando-se a ela.

Fontes de informação do texto: http://www.josesaramago.org/

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Reconciliação (prosa-poema)

por Diego Carvalho

Quem falou fui eu porque você calou. Quando a sua voz morreu o silêncio berrou mais alto que trovão. Aí você se encolheu na palma da minha mão. Enquanto a chuva nos banhava e encharcava prateada os meus pulmões, eu segurava as lágrimas pra não desperdiçar sabendo que quando você fosse embora eu ia querer chorar. Meu peito disse adeus mas tuas coxas hesitaram e abraçando o meu corpo nenhuma delas se cansaram até você resolver ficar. Então meu peito se calou ao ver o seu quadril dançar, e mesmo sem ir embora você me fez chorar.

Diego Carvalho escreveu o livro, Quebra-Cabeças em Peças de Vida, estuda sistemas de informação, trabalha na área de programação e suporte de banco de dados, "adora projetos de animação" e dá aulas de jiu-jitsu e muay thai.

sexta-feira, 4 de junho de 2010

Miragem

por Wagner Hilário

Pra ele, todas as noites tinham lua. Até quando havia nuvens, a lua fazia questão de se mostrar; ela pedia licença, e as nuvens, cinzas e sisudas, se desmanchavam e se abriam num riso frouxo, pra que o facho de luz pudesse avivar a noite.

No céu de seus olhares notívagos, a lua jamais minguava; estava sempre cheia, cheia de suas fantasias, que aos ouvidos alheios soavam besteiras. Mas lhe faziam tão bem!

Antônio não era um cara sensual; sua beleza dava pena. Inteligente, até que era, mas era raso. Estava longe de ser o filho preferido de seu pai. Ainda assim ele tinha grandes pretensões, embora ninguém notasse. Não que não dissesse, não o levavam a sério.

Incapaz de ver a noite no esplendor de sua escuridão despida de lua e incapaz ver suas limitações refletirem-se nos olhos dos outros, Antônio mirava miragens e miragens são desejos, quase necessidades, falseando a realidade.

Nunca teve uma paixão não correspondida, apesar de as mulheres que amava não saberem que o amavam. Elas sempre resistiam aos seus sentimentos, ele dizia, e por isso, só por isso, ele acabava sozinho. Só por isso, ele nunca esteve com alguém.

As pessoas o achavam engraçado, até o dia em que decidiu chegar à lua. A felicidade deve ser colocada onde possamos alcançá-la. Tomado por uma alegria alucinada, subiu ao terraço do edifício em que morava e descobriu que não podia. Só lhe restava beijar o chão.

O dia seguinte amanheceu ensolarado, radiante, mas muitos preferiam não ter acordado tão cedo.