terça-feira, 27 de março de 2018

Entre Sóis

por Wagner Hilário
Poentes
           são pontes
que ligam
há tempos
          o sempre
          ao jamais

Nascentes
são sempre
          esperança
pois não há
          na aurora
brecha
para tarde
          demais

domingo, 12 de novembro de 2017

Sempre é cedo

por Wagner Hilário

Café e tarde
coados
no azul de um domingo
                  ensolarado
   de ontem
e de amanhã

É assim, sempre:
o presente
é uma borra de saudade
e de esperança


sexta-feira, 27 de outubro de 2017

O Maior dos Substantivos

por Wagner Hilário

É multiforme
mora nas estrelas e nas nuvens
que as encobrem
no silêncio e na palavra
é o leito do tempo
que é incapaz de apagá-lo
é o passado no presente
o presente no passado
o futuro jamais preterido
é o que move e remoça
quando já se pensava acabado

quarta-feira, 30 de agosto de 2017

A selva das almas perdidas

por Wagner Hilário

São tantos os papéis a interpretar na vida, que aqueles, sobre a mesa, com pedidos médicos de exames para investigar pólipos na vesícula, passaram-lhe despercebidos. O PSA também não foi feito; não deu tempo. Nunca trabalhou tanto na vida e se viu tão pouco, ou nada, refletido no fruto do que produz. Nunca se sentiu tão vulnerável, tão vivo e, ao mesmo tempo, tão anestesiado. Já não sabe o que é ou não aceitável. Não sabia que, para alcançar seus sonhos, teria de cruzar uma selva de almas perdidas, nem que essa travessia poderia roubá-los de seu horizonte, ao ponto de esquecer-se que, um dia, os havia sonhado.

quarta-feira, 14 de junho de 2017

Bela distância

por Wagner Hilário

No plano de fundo da tela de entrada de seu computador, uma cidade encrostada nas pedras do litoral turquesa: velhos e encardidos castelos, edifícios pálidos, telhados caramelos, bem vivos, sob a luz do sol no céu azul, coalhado de nuvens brancas nas bordas, tépidos icebergs de sonhos... Ele queria viver ali, naquele lugar alado.

domingo, 16 de abril de 2017

Naná e a Terra do Sempre

por Wagner Hilário


São quase oito anos de saudade numa só manhã, tão cheia de ressaca de trabalho do dia anterior.

A notícia da morte da cachorra do meu menino, Gabo, que a viu pela primeira vez quando só tinha cinco anos, fulminou-me mais do que quando soube da morte da minha própria cachorra, Chulipa, com quem havia convivido por mais de 14 anos, depois de tirá-la da rua, debilitada e com visíveis sequelas de uma cinomose. Eu tinha 11 anos quando a vi pela primeira vez e 25, quando ela partiu. Gabo já era nascido.

A cachorra do meu menino, Naná, se foi neste domingo de Páscoa: complicações de uma diabetes tardiamente descoberta. Seu fígado foi violentamente castigado e não houve insulina, nem veterinário, nem tempo, nem oração que a salvasse.

Sinto a dor de Gabo. Sinto a sua dificuldade, aos 12 anos, em aceitar uma despedida tão indesejada. A morte é a certeza mais secreta que existe; é uma tristeza que, ao delimitar o nosso tempo, dá sentido à vida. Veja que ironia!

Foi tão de repente que a vida de Naná cruzou a nossa. Estávamos, minha esposa e eu, em viagem. Meu menino, triste por não ter ido conosco, recebeu, de aniversário, de minha mãe, a alegre e indomável vira-lata, então, com dois anos.

Naná tinha o pelo castanho clarinho. Seu nome foi o próprio Gabo quem deu. Não foi por acaso. À época, o desenho favorito dele era Peter Pan. Naná chegou, em julho de 2009, para suprir, no coração dele, nossa momentânea ausência. Fez muito mais do que isso.

Que outra coisa a fazer, neste instante, nesta Páscoa, então, senão agradecer... Obrigado pela companhia, Naná. Vá em paz! Vemo-nos em breve, não mais no tempo dos homens, mas no tempo de Deus, que é tudo e sempre.

domingo, 18 de dezembro de 2016

Se eu fosse apenas...

por Cecília Meireles

Se eu fosse apenas uma rosa,
com que prazer me desfolhava,
já que a vida é tão dolorosa
e não te sei dizer mais nada!

Se eu fosse apenas água ou vento,
com que prazer me desfaria,
como em teu próprio pensamento
vais desfazendo a minha vida!

Perdoa-me causar-te a mágoa
desta humana, amarga demora!
— de ser menos breve do que a água,
mais durável que o vento e a rosa...


Da obra “Cecília — Antologia Poética”
Global Editora/Edição 2013 – SP


Encontrei esse poema de Cecília Meireles e me encantei com seu caráter singelo e profundo. Os versos são lindos e tornam a intimidade doída que revela ainda mais afiada e aguda.