domingo, 19 de dezembro de 2010

Nascente

/por Wagner Hilário/

A fonte é sempre bela,
Arlinda.
Quando ganha corpo:
Caudaloso rio de vida.

A fonte é forte
E se prova na foz:
Ondas vorazes
Prontas para o mar feroz.

A fonte é murmúrio pueril:
Lírio d’água,
Cabelos de criança.

A fonte é azul,
Reflete seus olhos de sacrifício
Que nos deu de presente
O céu

A fonte é eterna,
Arlinda,
Pois quem esquece as origens
Jamais existiu.

domingo, 12 de dezembro de 2010

Muro Milenar

/por Felipe Borges*/

Já diante do muro milenar, ajoelhou-se o pôs-se a rezar... uma reza estranha aos ouvidos dos fiéis que já haviam decorado todas as rezas que deveriam fazer de frente para a monumental parede. Alguns escutavam com desdém, outros, desprezo. Mesmo que ele orasse para si e para mais ninguém, para os ouvidos astutos daqueles que se interessavam mais pela prece dos outros que pelas próprias, aquele som pífio que saia de sua boca e nariz e a articulação pobre de seus lábios eram mais que suficiente para que escutassem claramente. Em especial, uma das fiéis mais antigas que estava logo ao lado dele. Cabisbaixo e pendurado por fios invisíveis, parecia estar totalmente relaxado, solto no ar... Anda, faz logo esse pedido, não tem porque ficar agradecendo tanto e explicar por que?... A fiel anciã e curiosa que permanecia inerte em seus movimentos ao lado direito do recém-chegado reclamava da demora em fazer o seu pedido... Um outro fiel, que parecia ter sido forçado a estar lá, tentava entender e escutar o pedido dele. Mas não por curiosidade ou para ter o que falar com seus amigos... porém para poder ter algo que pedir. Anda, fala. Quem sabe eu não quero a mesma coisa! No momento preciso em que ele ia fazer o seu pedido para o muro de mais de mil anos, uma aeronave que fazia um barulho ensurdecedor e parecia mais com um dinossauro voador de proporções inimagináveis sobrevoou o deserto, a fiel ficou desesperada pois não o escutava mais... virou levemente o seu rosto e tentou ler-lhe os lábios, porém em vão, a língua dele ficou ainda mais estranha e agora estrangeira... o fiel descontente que premia por saber o desejo dele para saber se era o seu desistiu e sem perceber olhou para cima, como a maioria dos fiéis achando que seriam os únicos a fazê-lo e por isso não teria mais ninguém para vê-los desconcentrados de suas preces já criadas e apenas repetidas, para ver o objeto voador... Vai logo passa logo. dizia a fiel, mas não passava... ele estava inerte, como se estivesse completamente só, no meio da areia que a nave remexia do chão, como se fosse a sua última e única chance... Todos, agora, olhavam para cima, até mesmo a fofoqueira... Depois eu invento um pedido bem cabeludo para contar a todos..., pois já havia se passado mais de 15 minutos que o som da aeronave trepidava o muro, ele continuava absorto. Ele sabia o que queria e desejava do fundo de sua alma... O barulho cessou... acordou, abriu os olhos e sem se despedir de ninguém foi embora para nunca mais voltar, pois já não era mais preciso.

* Felipe Borges é músico, professor de inglês, tradutor e escritor, por enquanto, apenas ocasionalmente