– Pega! Pega! Pega!
– O que foi?
– O menino roubou o mercadinho do seu Zé.
– Meu Deus do Céu, quanta gente. Se pegar, não sobra nada do moleque.
Seu José sai dos fundos da loja, onde fica seu escritório. Descobre que o bicho pegou e que por isso o bicho vai pegar pra ele.
– Fica despreocupado. Tem uma molecada bem ligeira atrás do vagabundo.
– Como foi?
– Meteu um canivete na fuça da caixa e embolsou tudo o que tinha na registradora.
– Tava de olho fazia tempo, porque ele atacou justo numa hora que não tinha ninguém perto.
– E a menina? – pergunta seu José.
– Tá bem. Só o susto só.
Sofia, a caixa, tá num canto, tomando água e recobrando o fôlego que o assaltante também lhe roubou. Seu José sai da loja e segue pela rua na direção da fuga. No caminho, ele berra, sem esconder o sotaque de Portugal...
– Deixa-o comigo! Eu resolvo! Ninguém bate nele! Deixa-o comigo! Segura, só!
O rapaz já tá com a cara vermelha de socos, quando seu José chega. É magro feito cabo de vassoura e tá nitidamente assustado, embora menos do que ficaria alguém que não tivesse o costume de cometer infrações. Tá claro que não é o primeiro assalto do pequeno meliante. José olha pra ele com a severidade moral que seus olhos geralmente expressam. Robusto como poucos em sua idade, toma o magrelo pelo braço, brusco. O solavanco impressiona até mesmo aqueles que, há pouco, socavam a fuça do infeliz.
– Desculpa, moço.
– Q’cê vai fazer com ele? – pergunta um sádico, temendo a possibilidade de não poder assistir ao espancamento.
Mudo, seu José segue seu curso, arrastando o garoto magrelo, borrado de medo e já despido do seu canivete. Entra no mercadinho, atravessa a área de vendas, vai para os fundos da loja, entra no escritório e se tranca com marginal lá dentro. Trinta minutos depois os dois saem. Vão até onde se encontra Sofia; o garoto, com os olhos cheios de lágrima e arrependimento, se ajoelha, pede desculpas e lhe entrega o dinheiro roubado.
Depois, seu José comunica a todos...
– Este rapazinho já tem problemas demais e estava inventando mais um para sua própria cabeça... Não o entregarei a polícia. Ele mora na rua (não na nossa rua, digo no meio da rua), não tem pai nem mãe, mas pelo que me contou, não adiantaria muito tê-los. Sobrou-lhe o padrasto, que também não vale um trocado. Vai ficar aqui comigo, cuidando da segurança da venda, empacotando compra e ajudando a freguesia. Se me aprontar alguma, já disse que lhe capo...
– Mas o que é isso?! – berrou o sádico. – Manter entre a gente um criminoso desses é uma irresponsabilidade total.
Ruim dos ouvidos, seu José encarou o protesto vindo do grupo de curiosos como um elogio.
– Isto mesmo: responsabilidade social. Está na moda.
sexta-feira, 23 de outubro de 2009
Seu Zé comunica a todos
O texto que lerão abaixo é uma crônica publicada na revista em que trabalho como subeditor, a SuperHiper, uma publicação especializada em negócios para o setor supermercadista, mas que dispões de espaço para um bocadinho de arte e descontração chamado Cotidiano. Boa leitura!
por Wagner Hilário
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