sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Seu Zé comunica a todos

O texto que lerão abaixo é uma crônica publicada na revista em que trabalho como subeditor, a SuperHiper, uma publicação especializada em negócios para o setor supermercadista, mas que dispões de espaço para um bocadinho de arte e descontração chamado Cotidiano. Boa leitura!

por Wagner Hilário

– Pega! Pega! Pega!

– O que foi?

– O menino roubou o mercadinho do seu Zé.

– Meu Deus do Céu, quanta gente. Se pegar, não sobra nada do moleque.

Seu José sai dos fundos da loja, onde fica seu escritório. Descobre que o bicho pegou e que por isso o bicho vai pegar pra ele.

– Fica despreocupado. Tem uma molecada bem ligeira atrás do vagabundo.

– Como foi?

– Meteu um canivete na fuça da caixa e embolsou tudo o que tinha na registradora.

– Tava de olho fazia tempo, porque ele atacou justo numa hora que não tinha ninguém perto.

– E a menina? – pergunta seu José.

– Tá bem. Só o susto só.

Sofia, a caixa, tá num canto, tomando água e recobrando o fôlego que o assaltante também lhe roubou. Seu José sai da loja e segue pela rua na direção da fuga. No caminho, ele berra, sem esconder o sotaque de Portugal...

– Deixa-o comigo! Eu resolvo! Ninguém bate nele! Deixa-o comigo! Segura, só!

O rapaz já tá com a cara vermelha de socos, quando seu José chega. É magro feito cabo de vassoura e tá nitidamente assustado, embora menos do que ficaria alguém que não tivesse o costume de cometer infrações. Tá claro que não é o primeiro assalto do pequeno meliante. José olha pra ele com a severidade moral que seus olhos geralmente expressam. Robusto como poucos em sua idade, toma o magrelo pelo braço, brusco. O solavanco impressiona até mesmo aqueles que, há pouco, socavam a fuça do infeliz.

– Desculpa, moço.

– Q’cê vai fazer com ele? – pergunta um sádico, temendo a possibilidade de não poder assistir ao espancamento.

Mudo, seu José segue seu curso, arrastando o garoto magrelo, borrado de medo e já despido do seu canivete. Entra no mercadinho, atravessa a área de vendas, vai para os fundos da loja, entra no escritório e se tranca com marginal lá dentro. Trinta minutos depois os dois saem. Vão até onde se encontra Sofia; o garoto, com os olhos cheios de lágrima e arrependimento, se ajoelha, pede desculpas e lhe entrega o dinheiro roubado.

Depois, seu José comunica a todos...

– Este rapazinho já tem problemas demais e estava inventando mais um para sua própria cabeça... Não o entregarei a polícia. Ele mora na rua (não na nossa rua, digo no meio da rua), não tem pai nem mãe, mas pelo que me contou, não adiantaria muito tê-los. Sobrou-lhe o padrasto, que também não vale um trocado. Vai ficar aqui comigo, cuidando da segurança da venda, empacotando compra e ajudando a freguesia. Se me aprontar alguma, já disse que lhe capo...

– Mas o que é isso?! – berrou o sádico. – Manter entre a gente um criminoso desses é uma irresponsabilidade total.

Ruim dos ouvidos, seu José encarou o protesto vindo do grupo de curiosos como um elogio.

– Isto mesmo: responsabilidade social. Está na moda.

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