sábado, 10 de dezembro de 2016

À dureza do arado e da semeadura, a esperança da colheita

por Wagner Hilário

Recebi, dia desses, pelo WhatsApp, de um primo, vídeo falando sobre a importância de arar a terra. Por que se ara a terra? Ora, porque, assim como a gente, a terra fica mais sensível, mais fértil, mais receptiva à semeadura quando está ferida. Arar é rasgar, ferir a terra; é descompactá-la, porque, compactada, não entra nem água, que dirá semente. Arar é amolecê-la, é abri-la para que seja capaz de renascer em frutos, verduras, legumes e flores. Arar é revirar, tirar da zona de conforto, deixar vulnerável para a vida, porque a dureza e a insensibilidade não nutrem nada, nem ninguém.

O vídeo me fez pensar que vivemos hoje, no Brasil, um momento de arado. A vida inteira, eu escutei que estávamos fadados a ser gentinha em uma terra maravilhosa. A vida inteira, ouvi dizer que essa terra era para poucos e insensíveis senhores que nada têm a ver com os nossos sonhos. A vida inteira, eu discordei do fatalismo desse papo furado, embora concordasse que, circunstancialmente, a terra estava nas mãos dos tais senhores insensíveis; senhores que precisavam ser arados. O fato é que continua nas mãos deles, mas eu continuo a discordar do fatalismo da sentença: as coisas estão mudando, esses senhores estão sendo arados; nossa terra está sendo revirada pelo tempo e pelos valores democráticos que, pouco a pouco, conseguimos compreender com mais clareza.

É normal que alguns insistam em analisar o Brasil sem considerar a perspectiva histórica, que vejam os episódios recentes como a prova de que estamos perdidos, mas estou certo de que estão errados: o Brasil está se encontrando.

O termo “estado democrático de Direito” foi muito mal gasto nos últimos tempos. Nós nunca o tivemos, por aqui, na acepção estrita do termo. Vamos começar a tê-lo agora. É fundamental termos em mente que, até a década de 1990, nós, sequer, tínhamos leis anticorrupção. A gestão pública no Brasil era uma enorme caixa preta e, só por isso, não podemos afirmar, com absoluta certeza, que se roubou mais, o País, no período da ditadura militar e nos anos anteriores do que se rouba agora. O que se pode dizer, porém, com convicção, é que hoje, mais do que antes, a gente sabe que está sendo roubado e que os velhos suspeitos, de fato, são os culpados.

Recentemente escutei uma especialista da Unesp dizer, na rádio, exatamente isso. Ela ainda completou dizendo que, na década de 1990, com as normas de combate à corrupção — que devem ser aprimoradas ao longo do tempo —, o Brasil estabeleceu seu sistema de prevenção à corrupção. A segunda etapa passava pelo aprimoramento do sistema de monitoramento, ou seja, pelos organismos responsáveis por zelar pelo sistema preventivo. Estamos falando do Ministério Público (MP), da Polícia Federal (PF) e do Judiciário.

Esses organismos existem há muito, mas seu comando e corpo mudam ao longo do tempo. Gerações, que não entendem por que a prática é tão diferente da teoria, chegam a postos importantes nesses órgãos e resolvem fazer valer o poder que têm. Pessoas, menos preocupadas em serem bem pagas para ficarem quietas do que dispostas a entrarem para a história por terem feito algo diferente dos seus antecessores, aparecem e pronto: temos um novo cenário, que a maioria dos analistas, da grande mídia ou de redes sociais, insiste em interpretar com cabeça velha.

A Lava-Jato, eu estou certo, não é uma ação político-partidária, mas o símbolo de uma mudança que vai muito além e envolve muito mais pessoas do que um ou outro policial, procurador ou magistrado, até porque o indivíduo, só, é frágil e pode se perder em vaidade e egolatria. Vive-se, no País, algo maior, de natureza coletiva. Está em curso um processo de aprofundamento do estado democrático de Direito, em que o Judiciário, bem remunerado e repleto de regalias pessoais, é bom que se diga, deixa de ser mero avalista de nossos “reis e nobres”, para ser, de fato, o terceiro poder. Essa transformação, que não se dá sem conflitos, nem traumas, abre espaço para que, enfim, tenhamos parlamentares e executivos eleitos que, verdadeiramente, representem o povo, para que o Brasil passe a ser, como nunca em sua história, nosso.

O Brasil está sendo, em outras palavras, arado e será novamente arado quantas vezes Deus quiser. A nós, cabe, em primeiro lugar, semearmo-nos a nós mesmos com novas, boas e justas ideias e, em segundo, semear o País com o que há de melhor em nós. Assim, colheremos, finalmente, o futuro que sonhamos a cada novo presente.

Um comentário:

Unknown disse...

Bom artigo ! As pessoas tem que acordar para o momento histórico que vivemos e fazer a sua parte ...se cada um arar .. poderemos semear muito em breve !