domingo, 16 de maio de 2010

É roça, viu!

por Diego Carvalho

Um conjunto de telhas brilha no fim do dia sobre a casa pequenina que a chuva alcança. Segura a barra e não desaba sobre o chão que ali descansa. A noite avança sobre o dia enquanto a água faz caminho numa trilha alaranjada descendo lesta pra cair de encontro a grama. A lua parece trazer uma harmonia e as nuvens se vão. Canta grilo e cigarra perto das paredes rachadas da casa que brilham no resto das gotas prateadas que ainda escorrem numa só direção. No meio do nada uma escuridão. Uma lâmpada brilha de repente na varanda e sozinha, de jeito que até entristece, ilumina o que pode. Faz-se notável então uma rede pendurada e encharcada que de dia não chamava a atenção. O poço acometido ao fundo da terra num topo de tijolo e o balde de madeira na ponta da corda que o vento sacode. Dá pra ouvir até respiração. E em destaque, a água fervendo de dentro da casa convida os sentidos que aguardam ansiosos tentando adivinhar se vai ser café ou uma boa xícara de chá. O cavalo dorme em pé que nem sonâmbulo e a bicharada tá atiçada pra caçar. É questão de tempo e de sorte, que se faz presente a morte, mais chamada de azar, pra seu Matuto, a pé, ter que andar.

O dia chega no horário batendo cartão às cinco da manhã. Ofusca toda e qualquer lâmpada de varanda que se aventurou a brilhar. “Esse aí é trabalhador!” Alguém reverencia o sol de todo amanhã que nunca faltou e nem pode faltar. E seguindo o exemplo do sol como de costume seu Matuto já tá com a sola grossa no chão, fumo e palha no bolso, de calo na mão, preparado para o trabalho.

Cumpade passa e de longe avisa num grito:

— Vixe, Austêncio! Os bicho cumêro o Tornado!

Tem coisa que você sabe que vai acontecer, mas também não sabe como prevenir, e quando chega a hora de fato não vai saber como remediar.

Matuto Austêncio num susto tropeça, ainda agachado no chão do quarto calçando a butina perde o equilíbrio e leva as mãos à cabeça. Ainda atordoado ouve a voz do cumpade se aproximando:

— Austêncio? Ce tá aí? Austêncio.....?

Ele se levanta depressa, sai do quarto, atravessa a cozinha chegando na porta da casa, dois giros na chave que destrava a fechadura e dá de cara com cumpade Zelito.

— Os bicho cumêro o Tornado!

Diego Carvalho é um dos responsáveis por eu escrever. É responsável também por construções como: "O medo da solidão é engraçado. Ele nunca atormenta quando estamos sozinhos e nunca nos deixa sozinhos quando temos alguém". Diego escreveu um livro, Quebra-Cabeças em Peças de Vida, estuda sistemas de informação, trabalha na área de programação e suporte de banco de dados, "adora projetos de animação" e dá aulas de jiu-jitsu e muay thai.

Um comentário:

Duani Noronha da Costa Siegle disse...

Como sempre fantástico e inigualável no que escreve.
Astucioso, encantador, firme e doce.

Duani N.C.S.