quinta-feira, 17 de novembro de 2016

A estupidez mais estúpida que um homem pode cometer

por Wagner Hilário

Sou pai e a notícia de que um pai, em Goiânia, matou seu próprio filho me desolou demais. A razão pela qual o crime se deu anabolizou consideravelmente minha desolação: divergências ideológicas. O moleque se afinava à esquerda, ia além, era anarquista, defendia a bandeira das minorias, algo que é de se esperar de um jovem. Conservadorismo, geralmente, é coisa de velho.

Até por isso, divergência entre pai e filho sobre questões políticas é comum, normal, entra na lista dos conflitos geracionais e, normalmente, trazem tensão, mas, com o tempo, deixa saldo positivo. Ambos costumam aprender muito nesse processo. Da minha parte, em minha experiência, pelo menos, foi assim. Conheço inúmeras outras experiências de amigos, colegas, conhecidos e a maioria delas se assemelha à minha.

Por isso, não tenho a menor dúvida de o caso do jovem Guilherme da Silva Neto, morto pelo pai, que, logo depois de matá-lo, caindo em si sobre a estupidez mais estúpida que um homem pode cometer, suicidou-se, é um ponto fora da curva, mas que merece ser estudado com profundidade.

A gota d’água para o pai de Guilherme “Irish”, como se autodenominava o jovem de 20 anos que estava no primeiro ano do curso de Matemática, foi a decisão do filho de se juntar a um grupo que havia invadido uma escola pública na capital do estado de Goiás. Foi no caminho para a escola que o pai emboscou o filho e se emboscou também.

Está claro, para mim, que o problema psicológico do pai desse garoto, o engenheiro Alexandre José da Silva Neto, era muito mais sério do que os olhos da sociedade, mesmo a contemporânea, são capazes de enxergar. Até porque, ainda são poucos os que consideram estranho um pai que tenta doutrinar seu filho, usando, para isso, se for o caso, a força bruta.

Algo diferente dessa linha é, muitas vezes, visto como falta de pulso, o que explicaria “o mundo estar como está”; como se, de fato, tivesse estado em melhor condição no passado. Quem pensa dessa forma, com todo o respeito, toma o mundo pelo próprio umbigo, toma-o por memórias afetivas que, embora valiosas para o indivíduo, têm pouco valor sociológico.

“O mundo muda o tempo todo” e as pessoas são diferentes, querer que tudo siga inalterado e que as pessoas sejam todas iguais é que um problema, não o contrário. Perigo maior do que alguém querer ser quem, de fato, é, mesmo que seja diferente das referências mais familiares, é obrigar alguém a ser como desejamos que seja.

Paternidade ou maternidade não é termo de posse. Não duvide que, por um breve instante, o pai desse menino acreditou que, ao tentar controlá-lo, estava tentando proteger o filho. Porém, ao se descobrir o assassino do menino, deu-se conta de que, na verdade, estava tentando controlar o que a sociedade diria de alguém que ele julgava possuir. Algo que era dele não podia expô-lo a tal vergonha pública. Ao constatar a verdadeira causa, descobriu o tamanho de sua própria miséria.

Quando se fala da relação entre pessoas, não existe propriedade, o flagelo da escravidão nos ensina. Quando se fala da relação entre pessoas, a palavra é compreensão e, se não der para compreender, aceitação. Quando há aceitação, as portas do diálogo se abrem e as da estupidez se fecham. Mas só se aceita alguém quando o amor prevalece sobre seu irmão siamês: a posse.

Guilherme Irish não é, nem pode ser o mártir da causa da esquerda, nem das minorias oprimidas, é muito mais do que isso: é a prova de que, quando se trata de gente, não há lugar para a posse. Ou se ama, ou se ama.

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