sexta-feira, 13 de março de 2009

História Alegre

por Wagner Hilário

Jorge queria escrever um texto alegre, que narrasse uma história de risos. Estava cansado da tristeza da sua prosa, de seus versos sem vento de manhã, sem caneta que descrevesse o dia. Era tudo tão noite que de claro só as luzes piradas das danceterias e a ideia de que o mundo é um fado e que a felicidade não passa de uma pobre mania dos ignorantes. E assim o raio da inspiração não vinha, e sua alegria oca de malandro latino já nem pra fazer som lhe bastava.

Até que do ventre da solidão ele foi tirado à luz da carência. Descobriu-se frágil como um recém-nascido, fruto do prazer feito para tolerar a tristeza, fruto de um enlace sem amor, sem enlevo, mas que ainda assim era mais que um sopro qualquer de vento ou de brisa, era inspiração cristalina, mais bela que a de qualquer artista, a baforada da esperança de Deus, a que nos habituamos chamar de vida. E se Deus lhe jogara nos braços aquela criaturinha, depois de tanto Lhe pedir alegria que lhe valesse efusiva narrativa, pensou que ali estivesse o princípio do roteiro, a pista de decolagem de sua história.

Foi o tempo de nutrir a cria o que a mãe-loba passou ao lado do pequeno. Não se sabe ao certo o motivo do abandono, quem sabe o fato de ela própria ser órfã de pai e mãe e criada pelos avôs maternos, cuja bronca da filha não lhes deixou na barriga do afeto líquido para alimentar a neta de amor. Então, Jorge, que apesar da tristeza de poeta, sempre fora amado, lembrou-se, no difuso inconsciente, do carinho em seu reservatório de emoções e não titubeou em banhar de paternidade seu menino pelo tempo que fosse necessário, até que se tornasse um sujeito grande e feliz.

Mas como isso, se nem mesmo ele era capaz de contar uma história alegre? Como, se ele não se via feliz? Não sabia, mas daria um jeito. Assim, por longos anos, esqueceu-se da paranoia da dita história alegre e se entregou ao filho como um suicida se entrega à morte. Esqueceu-se da própria tristeza, dando-lhe papel e tinta guache para que aprendesse desde cedo a pintar a própria vida com as cores mais coloridas. Falou-lhe de um Deus em que antes não cria, mas que depois do pequeno passou a cultivar. Falou-lhe da glória de ser humilde e da magia de transformar a própria realidade, que moram no peito dos homens, mas tão difíceis de encontrar.

O pequeno se tornou meio-médio, depois médio, depois meio-grande e finalmente cresceu. Como o pai, era apaixonado pelas palavras, e tanto de falar como de escrever gostava muitíssimo. O pai sabia e, em silêncio, a tudo lia, já que o menino com ele não tinha segredos, e vice-versa. Jorge então se convencia: a tristeza, pro poeta, é sina. Até que certo dia o menino lhe entregou um texto extenso. Ele devorou as páginas e conteve as lágrimas nos últimos parágrafos. Olhou pela janela o céu poente, viu azul, viu roxo, viu o laranja do sol tingir as nuvens, viu as cores da pintura de seu menino, que naquele instante entrou no cômodo...

– É a história do pai, né, filho? É uma história alegre.

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