segunda-feira, 9 de março de 2009

Um homem no trânsito (descrição)

por Wagner Hilário

Olhos atentos ao fluxo de automóveis que no instante não flui. Uma caneta vermelha Bic – vê-se a marca e a cor pela tampa – no bolso da camisa branca que pela aparente textura é nova, sem listras nem detalhes, lisa. Contudo, a maneira como a traja confere à veste uma impressão de velha. Os três botões mais próximos ao pescoço, abertos. O peito parcialmente visível traz junto de si um óculos de grau, de armação antiquada e cor vinho, pendurado por uma corda preta que lhe envolve o pescoço. Esse aspecto mais a barriga sobressalente na camisa dão-lhe um ar de viciado em jogo de cavalos, como se estivesse diante de uma televisão que transmite uma prova despida de glamur, damas bem vestidas, charutos e cartolas. Só vale mesmo pra quem aposta.

O rosto do homem é vermelho do clima e carnudo, mas ainda assim seria exagero chamá-lo de gordo. O nariz é fino, a boca também. A atenção do olhar ao trânsito em momento algum sugere tensão, irritação, nervosismo. As sobrancelhas e as pálpebras crispadas devem-se ao sol mais soberano e luminoso do que nunca nesta manhã de março, de céu azul e rasas nuvens brancas, apenas levemente encardidas em suas extremidades, em virtude da poluição paulistana.

Ele está sentado ao volante de um Volkswagen Parati prata um ponto oito. A exemplo do motorista, o veículo não é novo nem velho. Ao ver que os carros quase apinhados à sua frente progridem, em tênues solavancos, como se soluçassem para evitar as milhares de batidas possíveis entre si, ele adquire uma posição mais ereta ao volante – insuficiente para minimizar a saliência abdominal –, engata a primeira e segue o séquito caótico dos carros recém-nascidos para mais um dia de trabalho na frenética e em constante colapso cidade de São Paulo.

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