sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

Separação

por Vinícius de Moraes

Voltou-se e mirou-a como se fosse pela última vez, como quem repete um gesto imemorialmente irremediável. No íntimo, preferia não tê-lo feito; mas ao chegar à porta sentiu que nada poderia evitar a reincidência daquela cena tantas vezes contada na história do amor, que é a história do mundo. Ela o olhava com um olhar intenso, onde existia uma incompreensão e um anelo, como a pedir-lhe, ao mesmo tempo, que não fosse e que não deixasse de ir, por isso que era tudo impossível entre eles.

Viu-a assim por um lapso, em sua beleza morena, real mas já se distanciando na penumbra ambiente que era para ele como a luz da memória. Quis emprestar tom natural ao olhar que lhe dava, mas em vão, pois sentia todo o seu ser evaporar-se em direção a ela. Mais tarde lembrar-se-ia não recordar nenhuma cor naquele instante de separação, apesar da lâmpada rosa que sabia estar acesa. Lembrar-se-ia haver-se dito que a ausência de cores é completa em todos os instantes de separação.

Seus olhares fulguraram por um instante um contra o outro, depois se acariciaram ternamente e, finalmente, se disseram que não havia nada a fazer. Disse-lhe adeus com doçura, virou-se e cerrou, de golpe, a porta sobre si mesmo numa tentativa de secionar aqueles dois mundos que eram ele e ela. Mas o brusco movimento de fechar prendera-lhe entre as folhas de madeira o espesso tecido da vida, e ele ficou retido, sem se poder mover do lugar, sentindo o pranto formar-se muito longe em seu íntimo e subir em busca de espaço, como um rio que nasce.

Fechou os olhos tentando adiantar-se à agonia do momento, mas o fato de sabê-la ali ao lado e dele separada por imperativos categóricos de suas vidas, não lhe dava forças para desprender-se dela. Sabia que era aquela a sua amada, por quem esperara desde sempre e que por muitos anos buscara em cada mulher, na mais terrível e dolorosa busca. Sabia, também, que o primeiro passo que desse colocaria em movimento sua máquina de viver e ele teria, mesmo como um autômato, de sair, andar, fazer coisas, distanciar-se dela cada vez mais, cada vez mais. E no entanto ali estava, a poucos passos, sua forma feminina que não era nenhuma outra forma feminina, mas a dela, a mulher amada, aquela que ele abençoara com os seus beijos e agasalhara nos instantes de amor de seus corpos. Tentou imaginá-la em sua dolorosa nudez, já envolta em seu espaço próprio, perdida em suas cogitações próprias – um ser desligado dele pelo limite existente entre todas as coisas criadas.

De súbito, sentindo que ia explodir em lágrimas, correu para a rua e pôs-se a andar sem saber para onde...

Essa crônica foi extraída da obra Para Viver um Grande Amor - Crônicas e Poemas, que fez parte da Coleção Folha - Grandes Escritores Brasileiros, publicada em 2008

2 comentários:

Anônimo disse...

SEM NOME


Eu queria escrever o poema mais lindo
As palavras fogem, como se nunca tivessem existido
Ou comportam-se como se mariposas
Que ao sabor do vento deixam-se levar
Eu queria elaborar com graça e emoção
Uma poesia só, pura e límpida
Que por efêmera se desfizesse
Em tantas partículças, em tantos sons
Que se transformasse num sussuro só
Eu queria achar uma só palavra
Que fosse perene, durável, eterna ...
Ela se esquiva graciosa e fugidia
Pelas brenhas misteriosas das noites e dos dias
Eu queria encontrar a expressão correta
Que dissesse de maneira objetiva
Qual o objetivo, a linha reta
De encontrar uma suave projeção da vida
Wilson Hilário Borges
Poema inédito escrito em 31 de agosto de 1999 e encontrado em fevereiro de 2009 em seus escritos

Anônimo disse...

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